No meio do viaduto, tinha uma janela. E nessa janela acontecia uma peça de teatro. As pessoas paravam e sentavam na rua (fechada para carros, claro) para assistir ao espetáculo. Assim, o viaduto se transformava em plateia, a janela era o palco e a cidade virava arte. Parece conto de fadas, mas é real. Estamos falando do projeto Esparrama na Janela, do coletivo de teatro Grupo Esparrama. O espetáculo infantil (mas que também agrada os adultos) acontece no Elevado Presidente João Goulart, o Minhocão, no centro de São Paulo.
Fui assistir a uma das apresentações do projeto em 2017 e aproveitei para conversar com um dos integrantes do grupo. O resultado foi um vídeo sobre a experiência, participação especial do Felipe, meu irmão-formiga! Confere aí:
Teatro na janela
Da mesma forma que na Paulista Aberta, a abertura do Minhocão para pessoas aos finais de semana incentivou um novo tipo de ocupação no espaço. Acontece de tudo por lá: desde festas, shows e blocos de carnaval até feiras de troca e espetáculos teatrais. E foi assim também que surgiu a ideia do Esparrama na Janela, quase sem querer.
Um dos integrantes e fundadores do grupo, Iarlei Ranger, explica que eles sempre ensaiavam na janela do tal apartamento. Como o lugar fica colado ao viaduto, a movimentação dos palhaços em frente à janela começou a despertar a curiosidade de quem passava por ali. Isso porque o Minhocão também é fechado para carros durante a semana à noite. Os atores começaram a interagir com o público do Minhocão e em seguida o grupo decidiu estrear uma peça ali mesmo.
O primeiro espetáculo foi todo montado de forma colaborativa, sem recursos financeiros e com a ajuda de amigos e familiares do grupo. Logo depois, eles conseguiram editais públicos e privados para fazer as temporadas seguintes.
Esparrama pela cidade
Se por um lado o coletivo de artistas ocupou a janela e o Minhocão, por outro lado a cidade também foi invadindo o grupo e suas ações. “A partir da criação do espetáculo na janela a gente entendeu que a rua precisava fazer parte da nossa construção e do nosso pensamento artístico. Não dava para só ocupar a rua e ignorar que ela é um território diferente do palco”, explica Ligia Campos, uma das integrantes do coletivo.
Não é à toa que todos os espetáculos falam de problemas da cidade. A temporada de 2017, que a gente foi ver e gravar, se chamava Minhoca na Cabeça. A peça contava a história da Menina, que veio do interior para a cidade grande e tinha medo de sair na rua. Assim, enquanto ocupa a rua, o grupo convida as pessoas a também ocuparem o espaço público e a pensar sobre ele.
“Convidar pessoas para virem sentar no meio de um viaduto em que horas atrás passavam milhares de carros é uma ação política. É uma ação política de dizer que nós ocupamos essa cidade para além de andar. Nós sentamos nela. Nós estamos presentes”, explica o integrante Iarlei Rangel.
O tema cidade educadora passou então a fazer parte do Esparrama. Depois de pesquisar sobre a relação da arte com o espaço urbano, o grupo conseguiu uma verba da Lei de Fomento ao Teatro da Cidade de São Paulo para fazer o projeto Navegar. Foo na primeira investigação sobre a relação das crianças com a cidade, e dela nasceu o livro “Navegações Teatrais para Pequenos Tripulantes: Diário de Bordo do Grupo Esparrama”.
“Fizemos um trabalho de escuta com três grupos diferentes de crianças sobre o imaginário delas da cidade. Convidamos a Laila Sala, uma pedagoga que tem um trabalho incrível em Heliópolis, e criamos uma metodologia de escuta. Foi um mergulho de 1 ano e 6 meses sobre o que as crianças pensam sobre a cidade, se a cidade está preparada ou não para elas e se as leva em consideração. Fizemos rodas de conversas com professores, educadores, agentes culturais. Depois, construímos o espetáculo Navegar a partir dessa pesquisa”, conta Ligia Campos
Navegando pelas cidades educadoras
Este ano o Esparrama foi mais a fundo na pesquisa sobre a relação das crianças com a cidade. Lançou o Projeto Naveganças, que veio com uma novidade: a exposição “Navegar: uma expedição por imaginários”. Nela, o grupo reuniu obras de crianças artistas convidados e dos próprios integrantes criadas a partir do processo de escuta das crianças. O projeto foi contemplado pelo EDITAL PROAC Nº 09/2018 – Circulação de Artes Cênicas para Rua, da Secretaria da Cultura do Estado de São Paulo.
A ideia do Naveganças é passar por outro cidades do estado de São Paulo que assinaram a Carta das Cidades Educadoras. São elas São Paulo, São Carlos, Mauá, São Bernardo do Campo, Santo André e Guarulhos, Sorocaba e Santos. A cada passagem, o grupo faz formações com crianças, educadores e público em geral, além de apresentar o espetáculo e exibir a exposição. Assim, o projeto que começou na janela e foi para Minhocão vai se espalhando por toda a cidade. E ainda incentiva a construção de espaços urbanos mais divertidos, criativos e brincantes para todo mundo.
FAÇA VOCÊ MESMO!
Quer apoiar o Esparrama na Janela ou criar uma iniciativa parecida? Essas informações vão te dar uma ideia mais concreta de como o projeto se estrutura:
Como apoiar ou fazer parte?
Ajudando o grupo na divulgação de suas ações, como espetáculos, temporadas de exposição, bate-papos e formações. E participando delas também
Pessoas envolvidas:
O Grupo Esparrama é formado por quatro artistas: Rani Guerra, Ligia Campos, Kleber Brianez e Iarlei Rangel. Além disso, os projetos contam também com parceiros recorrentes e pontuais
Há quanto tempo existe:
Desde 2013
Materiais e recursos utilizados:
Isso varia bastante de um espetáculo para o outro. Na primeira apresentação, por exemplo, os quatro integrantes do grupo fizeram praticamente tudo, com a ajuda de amigos e familiares. Quando conseguem verbas públicas ou privadas, aí contratam figurinista, cenógrafo, sonoplasta e outros serviços para incrementar a montagem
Metodologias e inspirações:
As encenações do Grupo Esparrama são inspiradas em pesquisas sobre palhaço, boneco e música. Com a aproximação do Minhocão e do teatro de rua, eles passaram a estudar e incorporar novos conceitos, como o de cidade educadora. Depois, com o projeto Navegar, criaram uma metodologia de escuta das crianças sobre o que elas pensam da cidade
Locais de intervenção:
Além da janela do apartamento, que também é a sede do grupo, o Esparrama também atua em outros palcos, desde os tradicionais até os alternativos, como rua, parques, praças e escolas
Parcerias:
Poder público (editais municipais e estaduais)
Itaú Cultural (com o edital Rumos)
Trupe du Navô (grupo teatral que participa de alguns espetáculos)
Jaime Pinheiro (cenógrafo)
Marcela Donato (figurinista)
Portal do Aprendiz (troca de informações e divulgação)
Luciana Gandelini (divulgação)
Como se sustenta financeiramente:
Editais públicos e privados
Planos para o futuro:
Levar com a exposição “Navegar – Uma Expedição por Imaginários” para outros lugares, como faculdades e escolas. Expandir o bate-papo com a população do entorno do Minhocão. E, principalmente, consolidar e amadurecer o trabalho que fizeram nos últimos cinco anos (cinco espetáculos, uma intervenção, dois livros e uma exposição)