Cidade Ativa: um passo a passo para reformar escadarias da cidade

“Nenhum livro ensina como as pessoas vão reagir aos projetos que você faz”. A reflexão de Gabriela Callejas resume um pouco da motivação em não limitar seu trabalho de arquiteta ao escritório. Ela aprendeu com a Cidade Ativa, organização que cocriou com colegas para tornar espaços públicos mais ativos, que não existe teoria que se segure sem a prática. Citando o arquiteto dinamarquês Jan Gehl, guru do urbanismo que prioriza pedestres e ciclistas, Gabi, como é conhecida, defende que projetar uma cadeira, uma escadaria, uma praça é fácil. O mais difícil – e o que importa de verdade – é mensurar como as pessoas interagem (ou não) com tudo aquilo. “Isso faz você reavaliar o seu projeto e entender o que funcionou e o que não funcionou”, diz.

Entender que um projeto é como uma reação química, na qual o elemento catalisador são as pessoas, levou Gabi e a equipe da Cidade Ativa a desenvolver uma metodologia que ao mesmo tempo engaja o público e mede sua reação ao projeto de requalificação. Os painéis interativos são uma espécie de entrevista indireta: quem passa pelo espaço público transformado pela organização pode reagir a ele com elementos gráficos (como adesivos coloridos, por exemplo) que respondem a questões sobre o local. “Pensamos em um jeito atraente para para engajar as pessoas. Tem muita coisa acontecendo, elas estão saturadas e têm preguiça de participar e interagir mais”, conta Gabi.

Gabi Callejas na escadaria da rua Alves Guimarães, que inspirou o início do Cidade Ativa

Sem medo das escadas

A metodologia da Cidade Ativa começou junto com projeto Olhe o degrau, que serviu de pontapé inicial para a organização. A proposta é transformar as escadarias públicas de São Paulo em lugares que as pessoas querem passar e permanecer. O que começou com a vontade de melhorar uma escada perto da casa de Gabi, em Pinheiros, zona oeste da capital paulista, logo ganhou escala para um mapeamento colaborativo de escadarias da metrópole em parceria com a plataforma Cidadera, com intervenções de requalificação urbana desses espaços. A iniciativa foi uma das vencedoras do concurso internacional Urban Urge Awards e recebeu menção honrosa no Prêmio Mobilidade Minuto, realizado pelo Institut pour la Ville en Mouvement (IVM).

Gabi e três colegas já discutiam o que poderia ser feito na escadaria da Rua Alves Guimarães quando decidiram que não faria sentido projetar algo para o local sem antes consultar os moradores e pessoas que passavam por ali. O grupo organizou uma oficina, então, para debater o futuro da escadaria. Teve banda de música, piquenique e várias atividades, como um varal para as pessoas pendurarem suas ideias, ou um mural de vidro sobre a planta baixa da escadaria, para que cada um desenhasse sua escadaria dos sonhos. “A gente convidou as pessoas a percorrerem cada um dos cantinhos da escadaria que em geral estavam sujos, feios, pixados. Eram lugares que as pessoas não se atreviam a permanecer, ficar ou passar”, relembra Gabi.

 

Relação entre hábitos e espaços

Dois anos depois da primeira oficina, a Cidade Ativa é muito mais do que o Olhe o Degrau. A organização sem fins lucrativos atua em quatro eixos: os projetos de ativação de locais, a exemplo das escadarias; pesquisas para entender como as pessoas se relacionam com os espaços públicos; disseminação do conhecimento, por meio de seminários, oficinas, grupos de estudo e de trabalho; e mobilização, com campanhas educativas e formação de voluntários para multiplicar as ações.

Todos esses pilares se estruturam em torno de um objetivo comum: “A gente tem muito interesse em entender a relação entre o hábito das pessoas e o espaço que elas frequentam.” Para Gabi, vale a pena fazer as pessoas pararem para pensar em suas ações em lugares públicos e como poderiam ser diferentes. “Elas fizeram uma escolha, provavelmente não consciente – talvez a cidade tenha forçado elas a atuar de certa maneira – mas que elas podem repensar, escolher um hábito diferente.”

A mais nova empreitada da Cidade Ativa é o Como Anda, pesquisa para construir uma plataforma colaborativa de mapeamento das organizações que promovem a mobilidade a pé no Brasil – a exemplo do SampaPé, que liderou o movimento pela abertura da Paulista aos domingos para as pessoas e de quem falamos aqui. Em parceria com a rede de voluntários Corrida Amiga e com apoio do Instituto Clima e Sociedade, o estudo busca entender ações locais e revela um esforço coletivo para melhorar as condições de deslocamento dos pedestres, e consequentemente uma maior ocupação dos espaços públicos por pessoas. Com a plataforma pronta, a ideia é oferecer um panorama para que organizações que atuam no tema possam “identificar possíveis atuações, viabilizar parcerias e potencializar suas ações”.

painel-paulista-aberta-cidade-ativa

Instabilidade e competição

Hoje, a Cidade Ativa já tem um dos membros se dedicando às atividades do grupo em tempo integral. Gabi conta que a maior dificuldade da organização é manter uma equipe atuando o tempo todo. Outro desafio é encontrar seu espaço em meio a tantas pessoas e coletivos que atuam em espaços públicos em São Paulo.

A arquiteta observa que em alguns casos ações semelhantes acabam se sobrepondo. “Existe muita competição, talvez pelo acesso ao recurso ser tão difícil. Só que tem muito trabalho e espaço de sobra pra todo mundo”, problematiza. “A gente tem que entender que muita coisa nasce em São Paulo, porque a cidade é um modelo, mas que vai depois isso expande para outros lugares.” Apesar dessa tensão, Gabi afirma que muitos dos coletivos estão dispostos a trabalhar juntos para somar forças, o que é positivo.

Para superar esses obstáculos, a Cidade Ativa quer crescer por meio de parcerias, multiplicação das ações por voluntários e projetos maiores junto com ONGs internacionais. “Nosso sonho é ter um think tank, um grupo que faz pesquisas mas que também aplica esses estudos a projetos, testando o que a gente aprende nos livros para ver se tem resultado”, diz Gabi. Para uma organização que foca em tirar sonhos do papel (e levá-los para a rua), essa ambição logo será realidade, e será mais um passo na busca por cidades mais ativas.


 FAÇA VOCÊ MESMO!

Quer fazer parte das ações da Cidade Ativa ou criar uma iniciativa semelhante em sua comunidade? Essas informações vão te dar uma ideia mais concreta de como o projeto se estrutura

Como apoiar ou fazer parte:

Interessados podem participar de palestras, oficinas que exploram o conceito do “active design” ou oficinas com comunidades para discutir ideias de projeto. Também é possível participar mais ativamente como voluntário

Pessoas envolvidas:

4 no início, 8 hoje entre membros da diretoria e conselho. No dia a dia, 3 coordenam os projetos

Quem faz o quê:

Membros da Diretoria:
Gabriela Callejas – presidente
Rafaella Basile – vice-presidente
Ramiro Levry – secretário
Suzanne Hoverter – tesoureira

Membros do Conselho:
Javier Freire Coloma, José Eduardo Bittar, Júlia Pinheiro Ribeiro e Sandra Mayumi Morikawa

Há quanto tempo existe:

Desde abril de 2014

Materiais utilizados:

No dia a dia, o computador é o principal instrumento de trabalho. Para pesquisas em campo, pranchetas, formulários, trenas, celulares, canetas. Para as oficinas com comunidade eles usam banners (painéis interativos), fitas coloridas e bexigas para enfeitar, tinta, papeis coloridos, EVA, giz. Para intervenções nos espaços são usados materiais diversos, sendo os mais comuns tinta, pincéis, madeira, máquinas para corte, papeis e cola

Metodologias:

Active Design

Inspirações:

“A nossa grande inspiração é o movimento ‘active design’. O guia desenvolvido nos Estados Unidos Active Design Guidelines: promoting physical activity and health in design pauta grande parte das pesquisas e projetos que desenvolvemos. Além disso, somos muito inspirados por Jane Jacobs, Jan Gehl e por projetos pelo mundo que focam na escala da pessoa, na sua percepção do espaço, na sua saúde e bem-estar.”

Locais de intervenção:

São Paulo, Campinas, Santos, Juiz de Fora

Serviços contratados:

Contabilidade, pesquisa de campo, tabulação e interpretação de dados, designer gráfico para identidade visual, desenvolvedor de site

Passo a passo:

Essas são as etapas do projeto Olhe o Degrau, para quem quer ativar uma escadaria

  1. Ache sua escadaria e faça uma avaliação inicial
  2. Defina os grupos interessados (moradores, subprefeitura, grupos comunitários)
  3. Colete ideias (promova atividades que atraiam as pessoas)
  4. Desenvolva um projeto conceitual e um orçamento preliminar
  5. Compartilhe e teste seu projeto
  6. Finalize seu projeto e defina o orçamento
  7. Aprove com a subprefeitura
  8. Arrecade fundos
  9. Construa
  10. Comemore seu sucesso e compartilhe a experiência!

Proposta:

Fomentar a discussão sobre o impacto que o planejamento urbano e que a arquitetura das edificações exercem sobre estilos de vida e sobre saúde pública

Parcerias:

  • Fit Cities São Paulo e Safári Urbano – Avenida Berrini: USP Cidades, Embarq Brasil/WRI Brasil, FMU-USP, FAU-USP, Mobilize, e outros apoiadores
  • Olhe o Degrau (Pinheiros): Urban Urge Awards, Cidadera, Catarina Bessel, Mari Pavanelli, GED, Zoom Arquitetura, Vale do Cedro, Booking.com
  • Olhe o Degrau (Jardim Ângela): IVM, Irene Quintáns, Mackenzie, Ciclo S/A e atores locais
  • Entre produções: levantamentos para o projeto Centro Aberto
  • Safári Urban Juiz de Fora: Embarq Brasil/WRI Brasil Cidades Sustentáveis
  • Oficina Cidades Ativas e Safári Urbano Campinas: UNICAMP
  • Pesquisas e palestras diversas: GEPAF-USP, FMU-USP
  • Paulista Aberta: entre muitos parceiros, destacamos Minha Sampa e Sampapé
  • Seminário Internacional Cidades a Pé: ANTP, Sampapé, Corridaamiga, Irene Quintáns e outros
  • Blog Cidade Ativa: Mobilize
  • Levantamento Áreas 40 para concurso: WRI Brasil Cidades Sustentáveis
  • Como Anda: Corridaamiga e ICS
  • Adesivos Motivadores: TRX Rótulos Adesivos
  • Impressões diversas: Ympressograf

Como se sustenta financeiramente:

“Principalmente por horas de trabalho doadas por integrantes da ONG. Além disso já recebemos prêmios, doações (dinheiro e materiais) e fazemos parcerias e consultorias para desenvolvimento de pesquisas e projetos”

Dificuldades:

Manter uma equipe atuando o tempo todo e encontrar seu espaço entre muitos coletivos que atuam em São Paulo

Planos para o futuro:

  • Crescer por meio de parcerias;
  • Multiplicar as ações de voluntários;
  • Fazer projetos maiores junto com ONGs internacionais;
  • Ser um think tank – um grupo que faz pesquisas mas que também aplica esses estudos a projetos.

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Tim, arte-educador e idealizador do Imargem, na laje do ateliê damargem.