Até uma semana atrás, eu sabia quase nada sobre Pokémons. Mas os “pocket monsters”, que dominaram a televisão na transição dos anos 1990 para os 2000, começaram a pipocar recentemente em meu feed das fontes mais diversas. A nova febre se chama Pokémon Go, um jogo de realidade aumentada (quando misturam-se os mundos virtual e real) para smartphone que promove uma caça aos bichinhos virtuais pelas cidades. Mesmo sem conhecer muito sobre Pokémons (a formiga-sócia Fernanda Carpegiani era fã e me explicou tudinho), fiquei animada com uma nova moda que leva as pessoas para caminhar mais por espaços públicos.
O app funciona assim: o jogador pode buscar, em um mapa dos arredores, locais reais onde estão “escondidos” itens do jogo. Eles não estão de verdade lá, mas quando você se aproxima do local, pode coletar os itens com o celular. Ao andar, o smartphone também te avisa de Pokémons que estão por perto, e você pode capturá-los jogando uma Pokebola – mais uma vez, na tela do celular, mas apontando a câmera para o local do mundo real em que o Pokémon “está”. Os jogadores podem ainda buscar ginásios (virtuais, mas localizados em pontos reais da cidade) onde colocam a força de seus bichinhos à prova em batalha contra os Pokémons de outros jogadores.
Diante desse fenômeno que aumentou em 7,5 bilhões de dólares o valor da Nintendo em apenas dois dias, passei horas assistindo a uma porção de vídeos de jogadores de Pokémon Go para entender em que medida o app estaria melhorando a relação entre pessoas e espaços públicos.
A cidade como tabuleiro de um jogo
Minha primeira impressão foi positiva. Quantos milhões de jogadores que estariam enfurnados em suas casas por horas e dias a fio após um lançamento de jogo tão aguardado não foram no lugar disso caminhar ao ar livre, se exercitar e descobrir espaços da cidade que possivelmente passam batidos no dia a dia? E digo mais: é muito legal transformar a cidade em um tabuleiro de jogo, ressignificando seus espaços e tornando a experiência urbana lúdica.
Acredito, inclusive, que a chave para o enorme sucesso do jogo foi levá-lo para o mundo real. Seria isso um sinal de que as pessoas querem sair mais para espaços públicos, mas que para isso gostariam que eles fossem mais lúdicos?
Pensei, ainda, que mesmo que indiretamente, a caçada aos Pokémons talvez se converta em levar essas mesmas pessoas para aqueles espaços públicos em outras ocasiões que não na hora do jogo. Na hora de considerar um encontro com amigos, um piquenique, uma reunião, um passeio romântico, o jogador pode lembrar de praças e parques que descobriu jogando Pokémon Go, e passar a frequentar mais esses lugares. Além disso, ver pessoas ocupando um espaço público leva outras a fazer o mesmo. É o que aconteceu no Minhocão, elevado em São Paulo que, fechado aos finais de semana, passou a atrair cada vez mais pessoas que usam o local como um parque. Difícil gostar de multidão, mas também quem se anima a sentar para ler um livro em uma praça totalmente vazia?
E tem mais: os jogadores de Pokémon Go também se encontram em alguns pontos da cidade, em que há uma concentração de Pokémons. Não é positiva essa interação entre pessoas?
Será que os jogadores saem da bolha?
Só que nem tudo é tão legal nessa caça aos Pokémons pelas cidades. Assistindo aos vídeos, me deparei por exemplo com o conselho de um jogador (com quase 4,5 milhões de seguidores no canal Coisa de Nerd, em um vídeo com mais de 1,5 milhão de visualizações) que sugere o uso do carro para jogar Pokémon Go, e a busca dos ginásios em shoppings (embora ele próprio não faça isso). Entendo que o youtuber era bem intencionado (e o vídeo é bem divertido!): advertia seus seguidores sobre a segurança ao andar com o celular na mão, já que houve relatos nos Estados Unidos de bandidos que criaram ginásios Pokémon para atrair jogadores e roubá-los.
O risco é real. Mesmo assim, o conselho faz força contrária ao movimento de ocupação dos espaços públicos: se confinar em espaços privados – do condomínio ao carro, do carro ao shopping, do shopping ao prédio de escritórios e de volta ao condomínio – em busca de segurança não reduz a violência, nem as suas chances de ser vítima dela. Mas a cidade, por outro lado, perde muito. Porque onde não há pessoas, não há uso. E quando não há uso, há depredação e abandono. E quando isso acontece, o prejuízo não é apenas estético. As pessoas que poderiam se beneficiar com aquele espaço de convivência e cultura acabam não podendo. Isso se soma então aos elementos que aumentam o individualismo, narcisismo, dificuldade de ceder e compartilhar e de enxergar o outro (leia nossos artigos “A cidade pode curar o nosso narcisismo” e “Ocupar é compartilhar, e compartilhar é difícil”).
Outro questionamento que fiz em relação a Pokémon Go é quanto as pessoas de fato interagem com o seu entorno quando estão jogando. Será que os lugares pelos quais passam não passam de um cenário de videogame, ao qual os jogadores se mantém indiferentes? O app tira as pessoas das suas bolhas privadas? Ou apenas faz essas bolhas circularem por aí, sem serem estouradas?
É verdade que não tenho respostas para nenhuma das muitas perguntas que coloquei aqui. A proposta de levar as pessoas para as ruas para jogar poderia ter um saldo positivo para as cidades e para as pessoas. Mas na prática, será que essa interação acontece?
Você joga ou já jogou Pokémon Go? Conta para a gente nos comentários se isso te aproximou de espaços públicos ou não!
Quer saber por que a gente no Formiga-me acha tão importante ocupar os espaços públicos? Dá uma lida no nosso manifesto!
Olha, eu também não sei o que esperar. Tenho a sensação de que as pessoas não vão tirar o olhos da tela e interagir mais com o espaço. Mas também acho que pode ser uma boa forma de conhecer novos espaços e voltar neles… Quem sabe?