Existe hoje um grande entusiasmo em torno da chamada economia compartilhada. Mesmo se você não sabe explicar o que ela é, conhece exemplos dessa forma de consumir que depende da interação entre uma rede de pessoas: Airbnb, Uber, sistemas de bike share, coworkings, entre outros. Só que por trás de todo o frisson daquilo que vira tendência, existe um probleminha: embora compartilhar seja uma lição que aprendemos quando crianças, é também algo que devemos reaprender quando adultos. E não é fácil.
Quando a gente compartilha, abre mão de fazer as coisas exatamente como quer. O comediante Louis CK fez uma ótima reflexão sobre isso, ao observar que a maior parte das pessoas não quer abrir mão da sua forma preferida de agir (nem se for para agir da sua “segunda forma preferida”). Ele exemplifica: um motorista está à direita em uma avenida com muitas faixas de rolagem e percebe em cima da hora que precisa virar na próxima rua à esquerda. O que ele faz? Dá um jeito de virar à esquerda. Enfia seu carro “na vida” de todos, se esgueirando da responsabilidade ao justificar que não existia outra possibilidade senão cortar todo mundo… A não ser, é claro, a alternativa de perder mais 4 segundos fazendo o retorno no próximo quarteirão. “Mas esse não é meu jeito preferido! Isso só obedece a 99% dos meus critérios!”, brinca Louis CK.
Como em qualquer standup, a piada só é engraçada porque todos nós temos familiaridade com essa situação. É difícil sair de casa sem encontrar alguém totalmente indisposto a abrir mão do que quer, como quer e quando quer, mesmo que isso signifique prejudicar quem está em volta. É quem entra no metrô antes dos outros saírem, quem pega o acostamento na estrada pra fugir do trânsito, quem fura fila, quem para no meio da calçada ou senta no meio do caminho. É da natureza humana pensar primeiro no benefício próprio. Mas é da natureza da civilização aprender a ceder para conviver com o outro, senão simplesmente a equação não funciona: ao desrespeitar o outro porque você precisa fazer tudo do seu jeito, você dá a ele uma espécie de “concessão” para fazer o mesmo.
É aí que entra o desafio da ocupação dos espaços públicos. Estar em uma rua, calçada, praça, um parque ou qualquer outro local, é intrínseco ao ato de compartilhar. Os outros também têm suas formas preferidas de fazer as coisas e, assim como você, precisam ceder um tanto para conviver no mesmo espaço.
Isso tudo pode parecer óbvio, mas não é. Não é, porque a maior parte não age por má fé. Não é inclusive entre algumas pessoas bem intencionadas que levam sua proposta de melhoria para um espaço público. Na gana de transformar o local, muitas vezes a gente impõe sobre os outros nossos interesses. Mas quem não quereria um parque de cachorro onde antes só havia cimento? Ué, quem estava usando o espaço para ensaios de dança. Ou quem quer aproveitar a mudança para fazer uma horta comunitária. Como unir tantos interesses, desejos e formas de fazer as coisas?
Eis o desafio do espaço público. Que é também o desafio de (con)viver em cidades. Que é, por sua vez, a única forma de melhorar a qualidade de vida em lugares que pertencem a todos. Vai encarar? Ou vai ficar aí trancado no seu quadrado privativo reclamando do mundo lá fora?
Ótima reflexão.