Uma conversa para abrir os sentidos e um passeio para redescobrir (e se emocionar com) os rios escondidos de São Paulo. Essa é a essência do projeto Rios e Ruas, criado em 2008 quando o geógrafo Luiz de Campos Jr. deixou o arquiteto José Bueno abismado com a história dos mais de 300 rios enterrados pela cidade. “Para mim era uma maluquice aquilo. Desafiei ele a fazer um passeio para ver se encontrava mesmo esses rios. Não deu outra, andamos um pouquinho e encontramos uma nascente!”, lembra Bueno.
Na época, o arquiteto tinha a ideia de formatar um cursinho diferente, com vivências interessantes que preparassem os jovens para a vida adulta. “Na minha formação, eu acabei colhendo muito mais conhecimento fora do curso acadêmico”, diz ele, que também é professor de Aikidô, artista plástico e facilitador de grupos. “E o que leva uma pessoa a aprender é estar próxima de profissionais apaixonados pelo que fazem”.
Trazer os rios para as ruas
A intenção do café com Luiz era trazer seu amor pelos rios invisíveis para essa jornada de aprendizados. Curiosamente, o geógrafo trabalhava há 15 anos com o tema apenas dentro do universo escolar. “Fiz cursos para professores de literatura e português baseado nos rios, em buscar os nomes e as referências literárias”, fala Luiz, que já tinha tentado levar os rios para fora da academia sem sucesso. “Produzi um documentário para a TV Cultura, mas não foi ao ar. Tinha a impressão de que era o único interessado nisso”.
Animados com o encontro, os dois decidiram fazer uma oficina teste, chamada de “Cidade Invisível”. “O público respondeu de maneira invisível”, brinca Bueno. O fracasso inicial mostrou uma falha na estratégia de comunicação, muito pautada no mistério. Decidiram, então, ser mais claros. Assim surgiu o nome Rios e Ruas, projeto que já fez cerca de 100 expedições e oficinas sobre os cursos d’água de São Paulo.
A cidade através dos rios
Quem participa de uma expedição do Rios e Ruas passa pela mesma experiência que deu origem à inciativa. Primeiro, um bate-papo sobre os rios invisíveis, que traz um olhar mais curioso e profundo sobre o lugar em que vivemos. Depois, uma caminhada pela cidade para ter contato direto com as águas que correm pelas sarjetas, embaixo do asfalto e até mesmo a céu aberto.
O sucesso do projeto é misturar informação e sensação. Luiz traz seu profundo conhecimento sobre a hidrografia da cidade e Bueno transforma esse conteúdo em uma experiência corporal a partir da filosofia do Aikidô. “O que a gente fez foi tornar esse conhecimento emocionante, vivo. Levar as pessoas para se aproximar desses rios e deixar o rio contar essa história”, diz Bueno. “O importante é emocionar, é por isso que dá certo. Quando o cara sai emocionado, ele quer fazer alguma coisa a respeito”, completa Luiz.
Entre uma expedição e outra, cresce a sensação de que as pessoas abandonaram o espaço público. “A cidade virou um lugar de tráfego, de deslocamento, não de apropriação, de convivência, de desfruto. O que seria essa cidade se fosse ocupada?”, questiona Bueno. Essa é uma das missões do Rios e Ruas: despertar novamente o interesse das pessoas pela cidade. A outra, no longo prazo, é revitalizar e abrir os rios. O caminho, no entanto, é tão sinuoso quanto o curso original dessas águas.
100% de desconto
O maior desafio da iniciativa hoje é conseguir financiamento para criar um calendário cultural oficial. Existe um modelo de negócios ideal para Luiz e Bueno, em que empresas, fundações e organizações bancam o valor das atividades e as oferecem de graça para a população.
Já houve parcerias pontuais com o banco HSBC e com o SESC, mas em muitos casos o trabalho ainda é voluntário. “Quando o cara fala: ‘pô, mas isso aí então é de graça?’, a gente diz: ‘não, é caro, a gente enfia a faca, mas no caso a gente tá dando 100% de desconto”, brinca Luiz. E o poder público? “Esse aí é o pior parceiro. Nunca nos recusamos, mas nunca conseguimos”.
Cidade azul
Na falta de uma estratégia de venda para as expedições, a saída tem sido desenvolver outros produtos com potencial de patrocínio. É o caso do site Cidade Azul, que reúne audio-guias dos principais rios de São Paulo e está em campanha de crowdfunding até 25 novembro. A ideia é que qualquer pessoa possa pegar o seu celular e fazer uma expedição virtual. O plano agora é ir atrás de financiamento de instituições privadas para a produção desses audio-guias.
O primeiro foi bancado por Luiz e Bueno e percorre o Rio Verde. O percurso é marcado por postes pintados de azul com lambe-lambes do projeto. Na parada final, dá para ver o Rio Verde entre grades. “Ali está claro que o rio está preso. A gente pintou esse presídio inteiro de azul. A ideia é as pessoas serem questionadas se aquilo é um presidio ou um santuário, e porque não estamos tratando a dignidade que merecem as águas que acolheram a nossa cidade”.
FAÇA VOCÊ MESMO!
Quer fazer parte do Rios e Ruas ou criar uma iniciativa semelhante em sua comunidade? Essas informações vão te dar uma ideia mais concreta de como o projeto se estrutura
Como apoiar ou fazer parte? Participando das oficinas e expedições e apoiando a campanha de crowdfunding do Cidade Azul. Mais informações no site oficial e na página no Facebook
Pessoas envolvidas: José Bueno e Luiz de Campos Jr.
Quem faz o quê: Os dois são responsáveis pela realização de oficinas e expedições em São Paulo e arredores.
Há quanto tempo existe: Desde 2010
Materiais utilizados: Quebra-cabeça de EVA representando os rios de São Paulo
Metodologia: Filosofia do Aikidô e conhecimentos de hidrografia e geografia
Locais de intervenção: Praças, parques, ruas, escolas
Serviços contratados: Nenhum
Passo a passo:
- Mapear os rios de São Paulo
- Escolher rotas em que é possível acompanhar e ver o caminho dos rios
- Oferecer oficinas sobre os rios escondidos de São Paulo
- Fazer expedições abertas para mostrar os cursos d’água dos rios enterrados
- Estabelecer parcerias com empresas para viabilizar oficinas e expedições abertas ao público
Problema inicial: Pouca gente sabe que São Paulo tem mais de 300 rios, porque a maioria foi canalizada nos últimos 100 anos e agora vive embaixo do asfalto
Proposta: Redescobrir a natureza de árvores desapercebidas e de rios soterrados por ruas e construções da cidade, contribuindo para despertar em jovens e adultos uma compreensão afetiva sobre o uso do espaço urbano
Parcerias: SESC e HSBC
Como se sustenta financeiramente: Parcerias e apoios institucionais
Quanto custa? O custo varia de acordo com cada atividade
Dificuldades: Conseguir financiamento para as oficinas e expedições
Planos para o futuro:
- Contribuir para a abertura dos rios soterrados em São Paulo
- Criar uma agenda cultural oficial de oficinas e expedições
Gostaria de trazer essa proposta para minha escola